Consciência encarcerada

Uma das características encontradas em todo e qualquer ser vivo é a necessidade. A necessidade é um estado de carência do meio interno que será satisfeito a partir do meio externo. Desde os mais elementares seres vivos como os vírus e bactérias, passando pelos vegetais, os animais até ao homem, todos têm necessidades, todos têm estados de carência interior que procuram satisfazer a partir do exterior. Os seres vivos movem-se na procura da satisfação de necessidades; até as plantas apresentam fototropismo das suas folhas verdes em direcção á luz, para melhor realizar a fotossíntese, e geotropismo das suas raízes na procura de água e outros nutrientes necessários à sua sobrevivência.
Os animais, mais desenvolvidos, movem-se na procura de satisfação de necessidades alimentares, sexuais, de convívio com os seus semelhantes etc.
O homem, mais evoluído do que os restantes seres vivos, tem uma característica distintiva: a consciência. A consciência é propriedade do homem mas o homem também se encontra preso, encarcerado na sua própria consciência; por seu lado a consciência está prisioneira do lugar e tempo presente. Sem consciência não há homem mas a consciência apenas existe no aqui e agora. Ainda que alguém relembre o passado, relembra-o sempre no presente e sabe que é no momento presente que relembra ou revive o passado. Ainda que alguém tenha, na sua consciência, uma fortíssima e real convicção intuitiva de um acontecimento que vai ocorrer, com certeza, no futuro imediato, essa convicção intuitiva é conscientemente vivida no momento presente. A consciência está prisioneira do tempo e lugar presente, que a si própria se apresenta, no aqui e agora. A consciência move-se estruturalmente em profundidade, desde desperta em alerta máximo até um coma profundo, e em extensão, desde concentrada em monoideísmo até a máxima dispersão, mas a sua função consiste em ajudar o homem a identificar e satisfazer as próprias necessidades. Qualquer pessoa a dormir, pode ter um sonho que lhe pareça estar acordada e consciente mas é no momento de sofrimento ansioso, com necessidade de segurança, ou quando qualquer outra necessidade avança, que a pessoa verdadeiramente desperta. O ser humano consciente desloca-se para satisfazer as suas próprias necessidades, para colmatar um estado de carência interior. A liberdade humana, a liberdade comportamental termina onde a carência começa. As necessidades e carências humanas são muitas e variadas; desde as necessidades fisiológicas de respirar, comer e beber, dormir, urinar e evacuar, passando pela necessidade sexual de manutenção da espécie, até outras carências mais evoluídas como sentir-se em segurança, num amparo confiante, com amigos e possibilidade de conviver em grupo, na sociedade, onde também possa ganhar a estima e admiração das outras pessoas, numa auto realização plena de conhecimento e vocação estética, pela contemplação da beleza; mas as necessidades não são tudo, podem conduzir, limitar e controlar, o comportamento humano num impulso direccionado para a sua satisfação, em direcção à saciedade, mas nem sempre a conseguem alcançar. A frustração começa com um obstáculo; é um obstáculo que se coloca impedindo o movimento do homem, ou de qualquer outro ser vivo, no sentido de alcançar um objectivo necessário, um objecto capaz de satisfazer a necessidade. O obstáculo frustrante impede o homem, e os outros seres vivos, de satisfazer as suas necessidades, de saciar as suas carências.
O estado de carência impõe-se à consciência que o avalia e imediatamente promove e adopta os comportamentos necessários à sua satisfação, o obstáculo frustrante impede a consecução da satisfação. Perante tal desconforto, tal sofrimento, tal obstáculo frustrante, a consciência imediatamente adopta novos comportamentos; pode procurar esquecer, retirar da memória, o obstáculo frustrante e o objecto que a satisfará ou então arranja uma razão para justificar perante si própria os motivos pelos quais não conseguiu atingir os seus objectivos, ou seja arranja uma razão para ter razão, racionaliza; se o obstáculo for constituído por outras pessoas, pode também, adoptar comportamentos mais infantis no sentido de chamar a atenção, ou então tornar-se semelhante, identifica-se com as pessoas que a frustram, acreditando assim que se tornará tão forte quanto elas, por vezes fantasia tentando conseguir no domínio das ideias aquilo que não conseguiu no domínio da realidade, mas é também ao domínio das ideias que recorre quando o obstáculo frustrante está dentro da sua memória, nestas situações a consciência pode tentar isolar e separar a ideia da emoção ou afecto negativo que a acompanha. Num outro plano pode adoptar atitudes e comportamentos exactamente contrários ao que seria de esperar para satisfazer as suas necessidades; ou então ironiza, agride e luta contra o obstáculo frustrante ou desvia a sua agressão para outro objecto externo que, quando muito, apenas tem uma representação simbólica no interior da consciência frustrada. Quando o obstáculo frustrante é um grupo social, ou a própria sociedade, a consciência frustrada pode deslocar a sua agressividade para um objecto que o grupo ou sociedade aceitem que seja agredido. Se é a própria consciência que atribui a si fraquezas e incapacidades para atingir directamente a satisfação necessária então pode desenvolver outras actividades nesse sentido, ficando assim compensada, mas pode também negar as suas próprias fraquezas percepcionadas, atitudes, desejos e necessidades para as projectar, para as colocar nos outros, no exterior. Estas e muitas outras são estratégias que a consciência pode adoptar no sentido de ultrapassar os obstáculos que se opõem à satisfação das carências percepcionadas; porém quando já não tem mais recursos comportamentais, torna-se apática, degenera e desaparece.
Todo o comportamento, em qualquer nível da consciência, ainda que com actos falhados, a sonhar ou até em coma, resulta de uma necessidade do meio interno que vai ser satisfeita no meio externo, ou então de um obstáculo frustrante que impede essa satisfação e do modo como o organismo vai tentar ultrapassar esse obstáculo, são estas condicionantes que encarceram e aprisionam a consciência na constância do local e momento presente.
Doutor Patrício Leite, 1 de Novembro de 2015