Elementos de anatomofisiologia mental

Há um interesse crescente em conhecer as estruturas volitivas decisionais do ser humano, as pessoas querem saber e conhecer os mecanismos e condições que determinam os actos voluntários, conhecer a vontade e aquilo que a condiciona; na realidade, a vontade consciente é o grande determinante da conduta humana mas o seu conhecimento implica as estruturas mentais subjacentes capazes de influenciar a sua funcionalidade.
A primeira etapa é nitidamente orgânica; o ser humano recebe estímulos externos pelos órgãos dos sentidos e reage, com comportamentos voluntários, através da musculatura estriada. Todo o input de estímulos é, nos órgãos dos sentidos, transformado em sensações. Todo o output de influxo nervoso é, na musculatura estriada, transformado em contracções e relaxamentos de músculos responsáveis pelos comportamentos voluntários observados. A teoria psicanalítica descreve também alguns comportamentos motores, designados actos falhados, que apesar de serem realizados por músculos estriados, não correspondem a actos voluntários; a psicofisiologia dos actos falhados seria um campo interessante de investigação dos mecanismos mentais.
A percepção implica numa certa organização mnemónica dos estímulos sensoriais e das sensações; a percepção faz a transição entre as estruturas orgânicas sensoriais e as cognitivas, porém o mecanismo organizacional dos estímulos sensoriais externos poderá estar localizado nos órgãos dos sentidos mas também no córtex cerebral. Há respostas musculares automáticas, a estímulos sensoriais, que não chegam a ser conscientemente analisadas pelas estruturas superiores do cérebro. A cognição compreende vários dispositivos mentais capazes de processar informação. A memória com a sua retenção imediata ou icónica, mas também a curto, médio e longo prazo, de conceitos mais ou menos abstractos, desde que evocada, permite interpretar os estímulos externos assim como prever acontecimentos encadeados por mecanismos associativos ou de causa a efeito. A base psicofisiológica dos lapsos de memória assim como das imagens mentais vivenciadas simbolicamente no decurso do sono, enquanto as pessoas estão a sonhar, seria um campo interessante de investigação dos mecanismos responsáveis pelos processos cognitivos.
Pelas necessidades, enquanto estados de carência do meio interno, surgem pulsões geradoras de comportamentos impostos à vontade consciente; nestas situações, de energética motivacional, a concentração da atenção desloca-se para os estímulos capazes de satisfazer essas carências; a memória é aqui muito importante para ajudar a focalizar e manter a atenção. O ser humano vive e convive em organizações humanas de base social que emitem frequentemente os mesmos estímulos de forma repetida; as atitudes têm sempre uma componente volitiva, afectiva e racional e, enquanto tendência para a acção, são fortemente influenciadas pelas crenças que, pela sua estabilidade, permitem seleccionar os estímulos e manter a atenção considerada relevante para a satisfação de necessidades.
Considera-se o afecto como uma ideia ou conjunto de ideias associado a uma emoção; de acordo com os conhecimentos científicos actuais, as emoções são centralmente controladas pelo sistema límbico e fazem a ligação entre a componente somática e mental do organismo; as emoções apresentam polaridade positiva (agradáveis) ou negativa (desagradáveis) e têm carácter volátil; já os sentimentos são constituídos por ideias e emoções conjuntas e têm uma maior estabilidade no tempo. Os afectos em conjunto com a respectiva emoção, constituem os sentimentos que são basicamente três e apresentam polaridade e simetria: amor – ódio, esperança – angustia, alegria – tristeza.
Os conceitos de sentimento, emoção e afecto são muitas vezes misturados e confundidos. A composição de emoções com sentimentos básicos, ou elementares, gera um vasto conjunto de conceitos com os quais as pessoas se exprimem e comunicam. A comunicação humana é feita através de linguagem verbal centralizada na transmissão de conceitos e ideias abstractas; já a linguagem corporal, ou não verbal, centraliza-se na interacção entre as pessoas comunicantes. A análise da linguagem corporal permite conhecer as atitudes que as pessoas mantêm entre si, mas também em relação a outras entidades, assim como as respectivas crenças. O sentimento básico, ou elementar, que serve de fundamento emocional para a crença é a esperança, também designado por confiança ou segurança; já a ideia afectiva que acompanha essa emoção pode ser muito variada mas é a sua constância no tempo que lhe permite o estatuto conceptual de crença. Viver numa comunidade social organizada torna o ser humano muito especial, capaz de emitir e responder a estímulos significativos; a estabilidade e previsibilidade organizacional das comunidades humanas faz-se à custa das noções de papel social, portanto o desempenho de comportamento significativo que a pessoa é capaz de emitir para os outros elementos da comunidade, e estatuto social, portanto a esperança e previsibilidade do desempenho de comportamento significativo que é atribuída a cada pessoa da comunidade.
Algumas teorias comportamentais da aprendizagem fundamentam o conhecimento sobre a conduta humana, no binómio estímulo – resposta; o conjunto formado pelo organismo humano e respectiva personalidade seria um mediador capaz de receber estímulos, processar a informação recebida e emitir respostas comportamentais; o meio ambiente ao recompensar ou punir comportamentos estaria a seleccionar a conduta mais adequada em face de determinados estímulos. Socialmente, o elogio funciona como uma forte recompensa da conduta social, a censura constitui uma punição capaz de inibir certos comportamentos considerados inadequados pelo ambiente social envolvente. Nem todo o comportamento é aprendido; através de actos motores, simples e inatos, que surgem como respostas a estímulos, as crianças ao nascer já vêm apetrechadas com instintos capazes de lhes proporcionar os primeiros momentos de sobrevivência.
As pessoas têm certos atributos e capacidades inatas mas a aprendizagem favorece o desenvolvimento da inteligência como desempenho intelectual na resolução de problemas; a mente, enquanto estrutura das funções superiores do ser humano pode, por analogia com a anatomia e fisiologia do corpo humano, ser descrita em termos de anatomofisiologia mental.
Doutor Patrício Leite, 4 de Janeiro de 2018