A mente humana compreende um
grupo de diferentes propriedades do organismo, até agora consideradas
imateriais, que medeiam respostas a solicitações ou provocações dos meios
interno e externo. Invadir a mente é apropriar-se dessas propriedades com a
possibilidade de as manipular e dirigir. A invasão mental, como todas as
outras, necessita sempre de um plano combativo num cenário de adversidade.
Primeiro inicia-se com a espionagem mais ou menos consentida e só posteriormente
se desencadeiam as acções conducentes à manipulação e controlo da mente alheia.
Se abandonarmos os mecanismos
biológicos, químicos e físicos, resta a comunicação, com os seus elementos:
emissor, receptor, mensagem, código, contexto e contacto; como mecanismo de
invasão mental por excelência. Assume-se que, numa interacção entre pessoas, a
ausência de comunicação não existe e de um modo geral, a comunicação verbal tem
os seus elementos bem estruturados e definidos; por outro lado, na comunicação
não verbal, também designada por linguagem corporal, os elementos da
comunicação podem diferir não só entre culturas e grupos humanos mas também de
uma pessoa para outra. Na primeira fase da invasão mental, com a espionagem,
procura-se conhecer as propriedades mentais através da linguagem verbal e não
verbal; a abordagem pode ser directa ou mediada por instrumentos como câmaras
de filmar, fotografias, textos escritos, etc.
Em linguagem corporal
observam-se os gestos, posturas, distância entre as pessoas interlocutoras,
olhares, entoações da voz, etc. A linguagem corporal é muito útil para avaliar
as atitudes e crenças de uma pessoa assim como as suas emoções pelo que o
simbolismo adquire grande interesse na compreensão do significado desta forma
de comunicação. Por exemplo, se uma pessoa que caminha na rua com uma mala de
mão encontra outra sua conhecida, iniciam conversa e a pessoa agarra a mala com
ambas as mãos e a coloca em frente ao corpo, aceita-se que está a formar uma
barreira e esta barreira simbólica significa que a pessoa se defende
mentalmente da outra, há como que uma desconfiança mental que a leva a
defender-se; essa barreira poderia ser feita com os braços ou qualquer outro
objecto mas, muito importante, em linguagem corporal o contexto da situação
comunicacional é determinante para encontrar o significado. A exploração das
emoções, sentimentos e afectos, assim como de atitudes e pensamentos
ambivalentes em conflito intra-psíquico, também pode ser realizada com base
numa abordagem mais belicista da mente humana, nesta abordagem, assume-se que o
ser humano nasce com necessidades de sobreviver e de se reproduzir; essas
necessidades geram pulsões que conduzem o comportamento com vista a sua
satisfação, por outro lado a cultura social e o meio ambiente externo nem
sempre satisfazem as necessidades para reduzir as pulsões então, quando as
necessidades são vitais pois se não forem satisfeitas a pessoa simplesmente
morre, no entanto, no caso das necessidades de reprodução a pessoa não morre
mas fica cronicamente frustrada. Com o desenvolvimento a criança, mais tarde
adulto, internaliza e assume as normas culturais que lhe restringem a
satisfação das pulsões de reprodução como pertencendo a si própria; gera-se
então uma instância mental, designada Ego ou consciência decisional, cuja
função é mediar os conflitos intra-psíquicos entre as pulsões originárias e as
barreiras internalizadas que se opõem à sua satisfação. O conflito entre as
pulsões e as repressões surge ao Ego decisional como uma tensão ou sofrimento
pelo que esse Ego se defende, no entanto durante o sonho nocturno, assim como
em situações de actos involuntários e aparentemente sem propósito, designados
actos falhados, as defesas tornam-se frágeis e os pensamentos e afectos
associados aos conflitos entre as pulsões e as restrições, surgem ao Ego
decisional de uma forma simbólica. O simbolismo baseia-se na analogia e a
análise simbólica é muito importante para sondar e compreender a mente humana. Em
contexto de comunicação verbal a espionagem discreta da mente compreende, entre
outros, gestos, posturas e entoações de voz mas as análises de sonhos e
associações de ideias em devaneios e outros contextos, de actos falhados e o
modo como as defesas do Ego se vão manifestando ao longo da interacção humana permite
entender a mente nos seus aspectos mais recônditos. As bases da invasão mental
são muito simples: ou o Ego consciente e volitivo está forte e se defende
tornando-se a espionagem num acto de compreender como se defende, de que se
defende e quando começou a se defender desse modo ou então o Ego volitivo e
consciente está fraco e deixa transparecer todo o conteúdo, ainda que
simbólico, da sua mente. As pessoas admitem que não querem ter a sua intimidade
invadida; a intimidade pressupõe a ausência de partilha com o exterior mas
associa-se, embora frequentemente de forma simbólica, com a satisfação das pulsões
de reprodução, com a sexualidade, no entanto numa segunda etapa da invasão
mental são desencadeadas as acções conducentes à manipulação e controlo da
mente alheia que visam não só a intimidade como todas as outras propriedades
mentais.
Para efeitos da manipulação é
importante compreender que os comportamentos humanos, animais, ou até
eventualmente vegetais, bacterianos, virais e de todos os outros seres vivos,
podem ser inatos ou instituais mas também adquiridos por acções condicionantes
do meio externo, que pressiona e obriga a uma mudança do meio interno.
Apesar das condicionantes
externas e instituais há, em qualquer ser vivo taxonómico, duas acções que não
são inatas nem adquiridas; são singularidades únicas que jamais se repetirão:
apenas se nasce e morre uma vez, não se aprende a nascer nem a morrer. Com
excepção destes dois comportamentos, destas duas singularidades únicas, todos
os restantes comportamentos podem ser repetidos e desenvolvidos.
Ao nível humano é importante compreender
as várias propriedades como pensamentos e ideias, afectos, emoções e
sentimentos, acções e comportamentos, vontade, interesses e necessidades a satisfazer,
memória a curto e longo prazo das suas ideias e comportamentos; enfim uma
enorme e exaustiva lista de propriedades mentais.
Apesar da dinâmica exploratória
inicial da psicanálise valorizar a intimidade como aspecto mais ou menos
simbólico de uma sexualidade reprimida, ou exercitada, também se torna
importante compreender os estados de carência sentidos pelo meio interno que
podem ser satisfeitos através do meio externo. As pessoas capazes de manipular
e influenciar são aquelas que têm punições ou recompensas, ainda que
simbólicas, para distribuir pelos seus semelhantes. Sendo o poder a capacidade
de criar ou estabelecer estados de carência ou insuficiência, então o poder é
também uma forma de punir, de castigar, de criar insatisfação ou sofrimento; por
outro lado sendo a influência a capacidade de satisfazer necessidades, de
recompensar e satisfazer pessoas, então a influência pessoal, quando bem
utilizada, poderá ser uma forma de conduzir à felicidade.
A tentativa de manipular pelo
castigo pode começar com uma simples manifestação de desilusão, com uma simples
e pequena censura moral mas sempre que o comportamento de alguém se realiza de
modo a causar sofrimento ou constrangimento numa outra pessoa, pois está-se em
frente de uma pessoa que tenta usar poder para alterar o comportamento de
outrem; por outro lado se alguém elogia, ainda que de forma simples e
disfarçada, ou manifesta aceitação por um comportamento alheio, pois essa
pessoa está dessa forma a apelar para a insegurança, para a falta de valor ou
auto estima, para a necessidade de amor e pertença e aceitação pessoal e social
e assim conduzir ou manipular o comportamento da outra pessoa.
Aceitar a interpretação
analítica, feita por outra pessoa, de algum aspecto do comportamento pessoal,
implica necessariamente na atribuição de maior credibilidade ao outro, o
interpretante, do que ao próprio ou interpretado; por outro lado a pessoa que
vê algum aspecto do seu comportamento interpretado tem imediatamente uma primeira
tendência para negar essa interpretação e quanto mais acertada for a
interpretação mais veementemente ela será negada, porém quando as defesas e
resistências forem trabalhadas e expostas a pessoa acabará por aceitar a
interpretação: A interpretação do comportamento alheio funciona como uma
técnica de manipulação, a análise das resistências que se opõem a essa
interpretação é também manipuladora mas a simples associação verbal e repetida
de um adjectivo qualificativo, positivo ou negativo, com um substantivo, já
manipula a atitude face ao referido substantivo. Se virtualmente todas as
técnicas psicoterapêuticas são manipuladoras também é certo que aspectos como os
raciocínios silogísticos ou outros mecanismos da retórica perseguem o mesmo fim
manipulatório, é importante saber que a agilidade humana é enorme pelo que
frequentemente se usa o peso e a força da opinião social para impor
comportamentos normativos a toda uma comunidade ou, pelo menos, às pessoas mais
susceptíveis. Se é certo que a comunicação e os seus elementos constituem o
mecanismo de invasão mental por excelência, é também certo que a repetição monótona
e imperativa de uma ideia simples e pictórica acaba por se inculcar no
inconsciente de uma pessoa isolada mas também de toda uma comunidade. Os rituais
da manipulação comunicacional, tanto individual como colectiva, conduzem ao
transe de aceitação sem nada questionar; frequentemente, nas situações
colectivas, o próprio transe ritualesco já incorpora as questões e
interrogações a colocar para assim obstruir o raciocínio e curiosidade humana
facilitando um estado permanente de aceitação.
Explicar ou expor algumas das
técnicas básicas de manipulação não garante segurança absoluta, na realidade,
nem sequer o conhecimento das técnicas avançadas oferece qualquer garantia de
fuga à manipulação alheia. Todos os seres humanos são manipuláveis; é mais
fácil manipular do que fugir da manipulação.
Quando duas pessoas
manipuladoras se encontram a sua relação acaba por tornar-se num jogo
competitivo pelo poder, pelo domínio; nesse jogo, ganha vantagem quem, de algum
modo, ainda que sub-repticiamente, conseguir uma ascendência, ainda que uma ténue
e ligeira ascendência, sobre o outro; essa ascendência é fundamentada num
sentimento de fé, de credibilidade, de confiança ou segurança. A confiança, fé
ou credibilidade é uma atitude sentimental vocacionada para o futuro. Assim, se
numa primeira fase se procede à análise exploratória, a confirmação e
concretização da manipulação surge como um jogo de credibilidade; esse é o jogo
do poder manipulador.
Doutor Patrício Leite, 3 de Outubro de 2017