As três instâncias do aparelho psíquico, nos seus aspectos
tópico, económico e dinâmico remetem para uma analogia fundamental com a
cultura ocidental dominante. Na realidade, foi esta cultura que permitiu a
eclosão conceptual de um aparelho mental dinamicamente tripartido em ego,
superego e id que mais tarde, foi também designado por outros pensadores com
terminologias como ça, moi e surmoi ou também criança, adulto e pai, entre
tantas outras denominações; tudo em plena analogia semântica com a referida cultura
ocidental.
Desde a sua concepção, a etiologia desenvolvimental
do ego sempre delineou um conflito entre a sua aproximação ao id ou, por
antagonismo, ao superego. Caracterizar o ego por um agrupamento de mecanismos
defensivos, mais ou menos inconscientes, mais ou menos pré-conscientes e, mais
tarde assumir a identidade egóica como o mecanismo de defesa fundamental na
constituição e análise da personalidade, da persona, da máscara; transporta a
análise do aparelho psíquico para uma análise da pessoa instituída; neste
sentido, a análise da identidade defensiva pela génese, estrutura e função mais
não é do que a análise original da pessoa concreta que se defende. Assim,
tornar-se pessoa é tornar-se numa identidade, numa máscara identitária, e
destrói-se a pessoa quando apenas e meramente se destrói a sua máscara, a sua
identidade. A conceptualidade dualística da identidade comporta sempre a
coexistência coincidente entre uma componente interna ou de autoreconhecimento
e uma externa ou de heteroreconhecimento; quando ambas, ou qualquer uma destas
componentes deixou de ser reconhecida como era, também a identidade pessoal se
extraviou, se perdeu, a pessoa deixou de ser quem era ou pelo menos sofreu uma
mudança profunda, uma mudança fundamental. Sendo certo que o ego, manifesta e
usa uma vasta quantidade de diferentes mecanismos defensivos à sua disposição,
é também pertinente a associação entre o mecanismo defensivo identitário a um ego
que se torna pessoa. Nesta contextualidade tripartida da cultura ocidental, analisar
este mecanismo de defesa, a identidade, é conhecer a sua génese, estrutura e
função. Tradicionalmente aceita-se que a génese da identidade está na
aproximação, por semelhança, com o agressor, com aquela identidade agressora
que causa necessidades, privações e sofrimentos; a função identitária, enquanto
semelhança com o agressor, forte e poderoso, é para o ego o mecanismo pelo qual
tenta superar a sua frustração, tenta ser tão forte e poderoso quanto o
agressor que o frustra e, por isso, com ele se identifica; já no plano da estrutura
identitária defensiva, esta funde-se e confunde-se com a pessoa concreta nos
aspectos da sua individualidade característica.
O conhecimento intuitivo de um aparelho mental
tripartidarista, favorece um ego intermediário que ora se aproxima do id, procurando
satisfazer as respectivas pulsões sexuais; ora se aproxima do superego
moralista na crítica mordaz a quem apenas satisfaz a sua sexualidade; é na
mobilidade deste mecanismo conflitual de atracção – repulsão, em intrínseca
relação simbólica com a sexualidade, que a mobilidade do ego faz uso pleno das
suas defesas, dos seus mecanismos defensivos porém, a identidade enquanto
pessoa, a persona, a máscara identitária procura manter a coerência externa e a
coesão interna. Assim a identidade defensiva, ou defesa identitária, manifesta
a necessidade da sua manutenção evitando a fragmentação e promovendo a unidade
do ego, a unidade de eu, o individuo; portanto, a pessoa individual que se
autoreconhece e reconhecida como tal, é apenas uma defesa que se defende.
Um aparelho mental repartido por três instâncias
somente exerce a sua funcionalidade quando aplicado a mentes tão patológicas
quanto a cultura ocidental que as origina. Por um lado o superego enquanto
conjunto de normas morais sexualmente repressivas e internalizadas constitui um
obstáculo interno à satisfação das necessidades e pulsões sexuais do id, por
contraposição a realidade exterior tanto poderá ser frustrante como facilitadora
na satisfação dessas necessidades; por outro lado o ego tem sempre tendência a
se aliar, ora ao superego ora ao id, numa constante tentativa simbólica de
resolver a conflitualidade patente entre as necessidades do id e os
constrangimentos do superego. Nesta realidade cultural doentia a analogia
simbólica, ou o simbolismo analógico, é uma ferramenta imprescindível para a compreensão
da sexualidade humana. Uma cultura saudável não é aquela que apenas tenta
erradicar o superego impondo uma cultura do prazer, impondo uma moral radical;
uma cultura saudável não nega, não reprime nem combate o prazer mas tenta também
uma aproximação do ego ao id, não um id exclusivamente de prazer mas um id de
reprodução, pois essa é a sua função vital. Numa cultura saudável o
tripartidarismo do aparelho mental será substituído por um dualismo irreconciliável
entre a constância do meio interno e os constrangimentos do meio externo na
manutenção da função reprodutora enquanto precursora da continuidade da vida.
Doutor Patrício Leite, 7 de Outubro de 2017