Humanidade Futura

Nos recônditos princípios da organização humana, o primeiro homem social, provavelmente dedicado à colecta, vivia numa estrutura organizacional totalmente dependente das contingências do ambiente natural. Sucessivamente a sociedade humana foi-se organizando; a par de um belicismo estrutural foi a posse da terra, o domínio geográfico que perdurou por muitos séculos, numa realeza feudal hereditária apoiada na legitimidade divina, divulgada pelo alto clero proveniente da nobreza dominante. Com a criatividade humana, o desenvolvimento tecnológico e a industrialização do mundo, a estrutura monárquica hereditária, como forma de organização social do poder político, deixou de ter sentido, deixou de servir a organização humana. As revoluções liberais culminaram num maior ou menor republicanismo impregnado de democracia representativa. Na era da industrialização a posse da terra perdeu o seu valor, uma pequena fábrica fornecia, e fornece, mais poder do que uma extensa área geográfica rural. O poder político da monarquia feudal hereditária transitou para uma burguesia industrial representativa. Se primeiramente o homem viveu numa organização social mais ou menos anárquica e completamente dependente das contingências naturais, foi durante largos séculos que a monarquia feudal adoptou uma estrutura organizacional oposta, uma hierarquia assente na unidade de comando em cujo limite superior, o rei detinha o poder absoluto. A organização social hierarquizada pretende mudar o exterior mas não ser por ele alterada, entretanto a interacção humana com o ambiente promoveu a mudança; a revolução industrial acarretou um nível de mudança incompatível com uma estrutura hierarquizada promotora da unidade de comando; foi necessária uma estrutura colegial para a tomada de decisões políticas. A democracia representativa, típica da era industrial, fornece essa estrutura colegial; o colégio de representantes designados deputados da assembleia da república, constitui um órgão colegial para a tomada de decisões políticas. Estamos agora a viver a revolução digital. Nesta revolução digital assistimos a uma mudança mais intensa. O mundo muda, e muda cada vez mais rápido. Os órgãos colegiais da democracia representativa já não são capazes de acompanhar a mudança. É necessária uma nova estrutura organizacional da tomada de decisões políticas. A descentralização personalizada da tomada de decisões colectivas é cada vez mais necessária. A rapidez da mudança, a que assistimos, implica que cada um tome decisões por todos. Não será apenas um representante a decidir por todos os representados mas sim cada pessoa a decidir sobre todas as outras pessoas da comunidade. Vivemos na era da mudança, na era da informação digital. A era da informação constitui uma transição rápida para a era do conhecimento. A democracia representativa, típica da era industrial, terá de ser substituída por uma democracia participativa adequada à era da informação e posteriormente por uma democracia directa própria da era do conhecimento. A aceleração crescente da intensidade da mudança culminará necessariamente numa organização social do poder político assente na democracia directa. É uma mudança de intensidade crescente exponencial, envolvendo o ambiente humano e natural. A previsão do futuro baseia-se num jogo, sempre incerto, de conhecimentos, probabilidades e intuições; porquanto algumas das possíveis ocorrências serão:
- Emergências cada vez mais frequentes; catástrofes naturais com terramotos, maremotos e tsunamis, vulcões etc., início súbito de doenças pandémicas com rápida progressão global e arrasadora, guerras e conflitos químicos, biológicos, nucleares e radiológicos destruidores, que tornarão as respostas de emergência social numa estrutura organizacional cada vez mais poderosa no seio da sociedade. A eclosão de emergências com abrangência multipessoal e social irá alterar toda a ordem e estrutura social no sentido de conseguir resposta pronta e rápida a essas ocorrências emergentes e destruidoras.
- A resistência aos antibióticos continuará um problema crescente pelo que as infecções mortais com intensa actividade contagiosa e carácter pandémico se tornarão cada vez mais frequentes.
- Os sistemas de segurança social serão, inicialmente, cada vez mais requisitados; a sua falência e incapacidade de fazer frente às solicitações irão conduzir a maior ou menor privatização até a sua completa extinção. Num futuro, mais longínquo, a genética apoptótica dispensará sistemas de segurança social. 
- As forças da segurança interna, sempre propensas ao abuso de autoridade, terão menos poderes efectivos; no entanto as manifestações populares crescentes e a exigência de mais poder popular, conduzirão a conflitos entre os dirigentes e dirigidos com eventuais períodos de anarquia caótica no restabelecimento da ordem social.
- A comunicação social, na era industrial do poder representativo, tem constituído um elemento integrador mas o futuro será uma desconfiança crescente nos actuais instrumentos da comunicação, pelo que esta passará de unidireccional para multidimensional. O alarido dos actuais meios de informação, como instrumento de controlo social será desnecessário, pelo que estes se tornarão residuais. A par de informação facilmente disponível, será o controlo do conhecimento vital que se tornará na fonte de conflitos e guerras futuras. As primeiras guerras do futuro surgirão na disputa por áreas geográficas com ambientes menos poluídos e água potável; num futuro mais longínquo a poluição será controlada e as disputas surgirão pelo controlo de conhecimento vital.
- Numa fase inicial, as ameaças externas serão cada vez maiores, os grandes aglomerados populacionais, agrupados conseguirão ameaçar países inteiros; posteriormente serão abolidas todas as fronteiras geográficas e instituídas fronteiras do conhecimento; primeiro será a informação privilegiada, depois serão os conhecimentos vitais que irão deter as atenções dos senhores do poder. A reestruturação de todo o armamento militar será direccionada para o controlo da informação, da sabedoria e do conhecimento. Com esta reestruturação, os meios militares mais antigos serão empregues em situações de paz, como emergências e catástrofes.
- No sector alimentar as transformações começarão por uma maior intensificação da identificação e selecção de alimentos e nutrientes eficazes e necessários ao ser humano; posteriormente serão seleccionadas as espécies de seres vivos mais produtivos e capazes de satisfazer as necessidades alimentares dos seres humanos. A melhoria genética, os transgénicos, serão uma fase intermédia da satisfação alimentar pois a síntese química de proteínas, lípidos, glúcidos e outros nutrientes será a evolução avançada da tecnologia alimentar do ser humano. O ser humano deixará de saber o que é ir a um pomar colher uns frutos para comer ou a uma horta colher uns vegetais para fazer uma salada. Tudo será sintético; aliás nem poderia ser de outro modo, as radiações solares e radiológicas não permitirão a vida na terra como ela é actualmente conhecida.
- A água própria para consumo constituirá um recurso natural de escassez crescente. As mudanças climáticas tornarão a água escassa em algumas regiões do planeta e abundante noutras mas a abundância relativa não a tornará capaz de ser consumida pelas pessoas. O problema da água, própria para consumo, pelos seres humanos, será de tal ordem complexo que se vislumbram várias guerras e conflitos locais, regionais e globais na luta por uma água barata e capaz de ser consumida. As florestas, como recurso natural, estão em extinção. A superfície da Terra deixará de ser povoada por longas florestas e campos cobertos de ervas. A tecnologia da celulose e indústrias correlatas irá progressivamente declinando até à sua extinção completa. As minas e exploração de minérios passarão de uma utilidade prática extractiva para uma forma de habitação protegida. Com a destruição e desertificação da superfície da Terra as pessoas começarão a viver progressivamente em habitáculos subterrâneos protectores. 
- A cultura será cada vez mais monolítica, global e globalizante. As culturas locais, a antropologia cultural tenderá a desaparecer. Em todas as sociedades do mundo, o desenvolvimento crescente de jogos tecnológicos continuará uma dominante que fará desaparecer as outras modalidades culturais do planeta.
- Grande parte da actividade económica continuará, numa primeira fase, sustentada no crescimento das cidades; a constituição de hipermegacidades, altamente poluídas será uma realidade cada vez mais evidente; o desenvolvimento de tecnologias de combate à poluição ambiental será também uma actividade económica cada vez mais rentável. A tecnologia médica e militar proliferarão mas a tecnologia militar será cada vez menos letal, o controlo será mental, mais informacional e menos mortal no entanto o controlo da vida, enquanto instrumento de poder, será dominado pela área da medicina e saúde.
- O consumo e a dependência energética continuarão a aumentar; a energia poluente terá tendência a diminuir sendo progressivamente substituída, primeiro por formas alternativas como a eólica, das marés etc., posteriormente o uso da energia solar será generalizado e a interconversão, altamente eficaz, de formas energéticas diferentes permitirá um reaproveitamento e contenção de gastos energéticos; concomitantemente surgirá a era da água pesada, a tecnologia do deutério (mais abundante) e trítio constituirá, nessa era, a maior fonte de combustível móvel para a humanidade. A procura energética não cessará; com o domínio da actualmente designada força de gravidade, surgirão outras formas de energia que se acrescentarão. A indústria transformadora sofrerá uma profunda robotização. Os cálculos das necessidades humanas e a adaptação da respectiva produção estarão a cargo de complexos centros informatizados; sensores e questionários permanentes informarão os robots centrais para adequar a produção às necessidades de consumo humano.
- O aquecimento global continuará, as suas consequências continuarão a ser estudadas: as mudanças de áreas de terreno fértil para secas, a subida dos níveis do mar, o degelo, as doenças infecciosas emergentes, entre tantas outras, são estudadas e previstas pelos actuais futurólogos. Outras alterações ambientais surgirão, cada vez mais ameaçadoras para a sobrevivência do ser humano na Terra. O sol, essa luz solar gratuita a que tanto gostamos de nos expor, no campo, na praia, será cada vez mais carregada de radiações, entre as quais a ultravioleta que tornará impossível a exposição do corpo humano à luz solar. Primeiro intensificar-se-ão os protectores solares, posteriormente surgirão regras políticas jurídicas de controlo da exposição do corpo humano a radiações solares. O oxigénio, que respiramos, será cada vez mais raro; primeiro surgirão as máscaras e botijas de oxigénio para as cidades ou locais mais poluídos; os locais de trabalho com menos oxigénio terão fornecedores industriais como uma regalia dos trabalhadores. Na fase inicial, aos fins-de-semana, as pessoas poderão deslocar-se a locais onde a abundância de oxigénio permita uma respiração sem mascaras, posteriormente em todo o planeta, as pessoas pagarão para respirar.        
- O dinheiro em metal e papel está a desaparecer; outros títulos de crédito como cheques, letras, livranças etc., passarão por uma formalização electrónica acabando todos por se reduzir a unidades de crédito electrónicas agrupadas em características como crédito de investimento económico, produção, consumo, uso etc. Inicialmente estas unidades de crédito serão convertíveis mas progressivamente será constituída uma dualidade apenas com crédito de consumo e de investimento que não serão convertíveis. O crédito económico será mera informação social e o processamento automático dessa informação, a nível mundial, reorganizará a sociedade de tal ordem que a economia se dissociará do poder. 
- Os negócios internacionais deixarão de ter fundamento; o estado nação, as fronteiras territoriais, progressivamente enfraquecidas, acabarão por desaparecer. Com o fim do estado nação, surgirá como que um novo feudalismo mundial, assente em fragmentos tecnológicos, possuídos por uma só pessoa, em várias zonas dispersas do planeta. A mobilidade humana geográfica não terá restrições mas inicialmente a informação tecnológica, em cada zona geográfica, será controlada pelo respectivo “senhor feudal”, posteriormente o controlo geográfico do poder político será substituído pelo controlo do conhecimento fundamental à sobrevivência.
- A justiça será progressivamente democratizada. Primeiro serão estabelecidas eleições para os elementos que julgarão os casos polémicos; sucessivamente as eleições dos julgadores tornar-se-ão banalizadas pelo que finalmente será atribuída a cada pessoa a capacidade de julgar e conceder ou rejeitar um voto de confiança ao elemento prevaricador da ordem social estabelecida.
- A administração pública, enquanto serviço de atendimento ao público, tenderá a desaparecer. Os serviços descentralizados realizados electronicamente à distância assumirão uma privatização progressivamente crescente assente em atendimento automatizado e mediado por máquinas.
- As viaturas sem condutor, tanto ao nível de automóveis como de aviões, comboios e outros meios de transporte continuarão a proliferar.
- O aumento da área citadina manterá um crescimento exponencial. As megacidades continuarão a destruir o planeta. O planeamento urbano, incapaz de regularizar o crescimento das cidades permitirá o seu crescimento indefinido. O crescimento das cidades e do desenvolvimento tecnológico, assim como da poluição associada, destruirá toda a superfície do planeta.
- As várias religiões do planeta Terra, são casmurras, ineptas, pelo que dificilmente compreenderão como elas próprias contribuem para a destruição da vida na Terra. Primeiro surgirão conflitos religiosos locais com base em tendências e interpretações sagradas esotéricas; posteriormente será reconhecida uma aliança global de todas as religiões com a finalidade de permitir a sobrevivência da espécie humana, num ecumenismo global.
- A emigração deixará de ter qualquer significado; com o fim da ordem jurídica internacional assente na figura do estado nação geograficamente delimitado, terminarão as fronteiras e, por conseguinte, a emigração. Já o turismo terá, numa primeira fase, um aumento significativo. Posteriormente o desenvolvimento da realidade virtual, capaz de estimular os cinco órgãos dos sentidos humanos, diminuirá o fluxo turístico. Numa terceira fase, com a descoberta científica do modo de trabalhar e alterar a distância espacial, surgirão rotas turísticas para locais do universo actualmente inimagináveis.
- A necessidade de trabalho humano está em constante diminuição. São cada vez menos as profissões verdadeiramente necessárias à sobrevivência da sociedade humana. Com a diminuição das profissões necessárias à sobrevivência da humanidade surge o desemprego e a contestação social pelo que, para ultrapassar este fenómeno, serão criadas profissões desnecessárias, ou seja, profissões cuja finalidade é ocupar os humanos para que estes não se revoltem contra a ordem social vigente; com o evoluir dos tempos, verificando a inutilidade das respectivas profissões, os seres humanos tenderão a uma revolta subversiva e instauradora de uma nova ordem social, isto é, a democracia directa.    
- O controlo da investigação científica e tecnológica será a actividade humana fundamental. Os aparelhos do desenvolvimento tecnológico servirão a humanidade no sentido de acelerar a investigação mas, no princípio, o controlo será humano. Com o avanço do desenvolvimento tecnológico e da inteligência artificial, os instrumentos automatizados e robotizados, tenderão a ser encarados, inicialmente como tendo características humanas e posteriormente como uma realidade possuidora de dinamismo próprio e capaz de controlar a humanidade.
Doutor Patrício Leite, 13 de Dezembro de 2015