As
pessoas, todas e cada uma, sentem frequentemente que são donas e senhoras da
sua vida, da sua vontade; que a sua intenção, a sua intencionalidade
consciente, é determinante das suas opções, das suas escolhas e das suas
decisões. Tudo incorrecto, tudo ilusão. Sendo certo que a sensação ou
sentimento de um locus de controlo interno é uma forte medida de sanidade
mental, é também imperativo compreender que a força determinante da acção
humana, tanto no plano interno como externo, é a necessidade. Porém, o que é a
necessidade? A necessidade é um estado de carência, um estado de insuficiência,
do meio interno que pode ser satisfeita a partir do meio externo. Esse estado
de carência, a necessidade, aqui definida, está presente em todos os seres
vivos; desde os vírus, bactérias procariotas e eucariotas, vegetais e fungos,
até os animais mais desenvolvidos como o ser humano; todos sem excepção, todos
têm necessidades e desenvolvem acções tendentes à sua satisfação. É aqui que a
vontade humana fracassa, e falha porque enfrenta na necessidade uma força
poderosíssima, uma força vital, uma força determinante que se lhe impõe e condiciona:
a satisfação do estado de carência do meio interno, a partir do meio externo,
impõe-se ao comportamento, é inevitável. Na sequência do estado de carência
interno surge uma pulsão, surge um impulso que obriga todo o organismo humano a
dirigir as suas forças e capacidades no sentido de satisfazer essa necessidade.
Uma pessoa com falta de ar, com falta de oxigénio, não tem pensamento para
outra coisa que não seja respirar; uma pessoa com vontade de evacuar ou urinar,
não pensa noutra coisa; uma pessoa com fome ou sede extrema, só pensa em
satisfazer essas necessidades e enquanto as não tiver satisfeitas também não
consegue pensar noutro assunto. A necessidade, esse estado de carência do meio
interno com possibilidade da satisfação através do meio externo impõe-se a toda
a vida mental, a toda a vida pessoal, a toda a vontade. Por maior que seja a
força da vontade, está sempre sujeita e subordinada à força da necessidade. No
entanto, qualquer pessoa, qualquer ser vivo, necessita de um aparelho de
percepção para sentir e saber, para conhecer, os elementos ou objectos do meio
externo que são capazes de satisfazer as necessidades ou carências do meio
interno; aqui entra a percepção como mecanismo mental capaz de organizar a
sensação. A percepção é capaz de conduzir um ser vivo a situações de conflito
intra psíquico. Quando um ser vivo, um ser humano, percepciona dois, ou mais, objectos
externos capazes de satisfazer uma, e uma só, necessidade ou carência do meio
interno, esse ser vivo entra numa situação de conflito intra psíquico, ele não
sabe o que escolher; se apenas um dos objectos externos é capaz de satisfazer a
necessidade sentida, então a escolha é extremamente simples, o ser vivo escolhe
aquilo que o satisfaz; virtualmente toda a escolha, toda a decisão, resulta de
uma maior ou menor situação de tensão mental, de conflito interno, e o momento
da escolha é o momento de resolução desse conflito; por outro lado se apesar de
diferentes, ambos os objectos externos são capazes de satisfazer a necessidade,
então a escolha é ainda relativamente fácil, basta tão-somente escolher um
deles, pois ambos satisfarão a necessidade sentida, o maior e mais doloroso
conflito intra psíquico surge quando em todos os potenciais objectos externos
percepcionados, nenhum é capaz de satisfazer a necessidade ou carência interior
sentida ou, pior ainda, quando uma necessidade ou carência básica, e
fundamental para a sua sobrevivência, o obriga a uma escolha que lhe será
sempre negativa ou lesiva. Os conflitos intra psíquicos podem ser de atracção –
repulsão e estes são os mais fáceis de resolver, de atracção – atracção que são
de relativamente fácil resolução e finalmente de repulsão – repulsão que é
muito doloroso, muito difícil de ultrapassar. O conflito intra psíquico de
repulsão – repulsão era um parâmetro fundamental da teoria clássica da neurose.
Ao conflito associa-se a frustração. A sequência motivacional inicia-se quando
o estado de carência gera um impulso para a acção e logo de seguida o organismo
desenvolve uma acção comportamental dirigida a um objecto externo capaz de
reduzir essa necessidade. Se alguma barreira ou obstáculo impede a satisfação
da necessidade sentida, pois então origina-se a frustração. As respostas à
frustração podem ser agrupadas e catalogadas. Todo o comportamento humano é
resultado de necessidade ou de frustração; até os designados actos falhados,
pela teoria psicanalítica, têm a sua explicação através de motivações e
conflitos inconscientes. As necessidades podem ser agrupadas e organizadas, por
alguns hierarquicamente; desde as fisiológicas, de segurança, de amizade e
pertença a grupos de pessoas, de estima social, de autorealização, de
conhecimento e estéticas mas, fundamentalmente, as duas grandes necessidades
que inclusivamente condicionam comportamentos instintivos, desde a nascença, são
de sobrevivência do ser vivo individual e de prolongar a vida até à eternidade
através do acasalamento e cuidados da prole. As necessidades de sobrevivência
individual são bem patentes e se não forem satisfeitas mais nenhum
comportamento se poderá observar, o ser vivo desaparece; as necessidades de
prolongar a vida para além do próprio indivíduo estruturam todo o comportamento
desse ser vivo mas também da vida do grupo. As necessidades de prolongar a vida,
para além do próprio indivíduo, normalmente classificadas como necessidades
sexuais mas também os instintos maternais e paternais, podem ser cronicamente
frustradas que o indivíduo não desaparece e por isso a teoria psicanalítica se
desenvolveu em volta destas necessidades e respectivos impulsos ou pulsões
geradas assim como da inerente frustração e respostas a essa frustração. Na
teoria psicanalítica o id corresponde
às necessidades e respectivos impulsos comportamentais que estas geram, o superego corresponde ao obstáculo frustrante
internalizado, o ego e os seus
mecanismos de defesa comportamentais correspondem às respostas a frustrações,
de necessidades não satisfeitas, originadas pelo obstáculo frustrante que é o superego. Tanto na teoria psicanalítica
como na cognitivo - comportamental, ou em qualquer outra que explique o
comportamento, os fenómenos mentais observados não mudam, apenas se alteram as
respectivas designações. Assim, as respostas à frustração, que na teoria
psicanalista são as defesas do ego,
variam e podem ser agrupadas em acções, sentimentos e pensamentos. A
agressividade é uma resposta primária à frustração; a agressividade pode ser
desviada do objecto frustrante mas também pode ser expressa de forma atenuada
através de ironia e sarcasmo ou até sublimada, a formação de reacção e a apatia
são modos comportamentais que se podem associar com a anulação e a negação; se
alguém vê um objecto capaz de satisfazer as suas necessidades sexuais mas por
motivos culturais de superego não as
pode satisfazer, pois tem tendência a fantasiar e a fantasia é uma resposta à
frustração, o sonho ou devaneio diurno mas também o sonho nocturno são formas
de a fantasia ir mais longe e, por isso, poderá ter que se interpretar pelo uso
do simbolismo mas a racionalização, enquanto modo de arranjar razão para ter
razão, e a intelectualização são também respostas à frustração por mecanismos
cognitivos e por isso se associam com a fantasia. A introjecção, identificação
e projecção, são formas de se deslocar em face do obstáculo frustrante. Por
exemplo, uma pessoa identifica-se com um objecto frustrante, quando esse objecto
é alguém sentido como agressor, forte e poderoso e a pessoa que se identifica
pretende adquirir essa força e esse poder e por isso adopta os seus modos típicos
de comportamento; pela projecção coloca-se no outro sentimentos, pensamentos ou
modos de ser que não se quer ter nem admitir como próprios. Estes são exemplos
de resposta à frustração também chamados mecanismos de defesa do ego no entanto apenas se designam como
defesa do ego quando o obstáculo
frustrante, o superego, se encontra internalizado;
por outro lado quando o obstáculo frustrante se encontra no exterior, na
realidade vivida, esses comportamentos designam-se apenas como respostas a
frustração. A dualidade entre necessidades geradoras de impulsos e
comportamentos e a existência de obstáculos ou barreiras que impedem a
satisfação dessas necessidades, assim como as respectivas respostas
comportamentais em face desses obstáculos, explicam todos os comportamentos
humanos mas também a perda de liberdade que resulta desse determinismo mental.
Doutor Patrício Leite, 22 de Abril de 2017