Já
praticamente todas as pessoas tiveram situações na vida em que, notadamente,
verificaram ter uma persistência obsessiva de ideias com alguma dificuldade
até, de as afastar do pensamento; noutras situações tiveram, por vezes, ideias
ou crenças de que poderiam estar a ser, como que, perseguidas por pessoas
inimigas, familiares, antigos amigos ou até chefias laborais, e posteriormente
verificaram que essas ideias, mais ou menos delirantes, estavam incorrectas; é
tudo uma questão de sofrimento, da intensidade da convicção e da interferência
dessas ideias persistentes, assim como das crenças, com as actividades da vida
quotidiana.
A
observação e o pensamento reflectido demonstram e conduzem à conclusão que
obsessão e delírio, sobretudo o delírio persecutório, são basicamente apenas
uma, e uma só, realidade mental. Apesar dos quadros clínicos de perturbações
mentais como a perturbação obsessiva e por conseguinte também a designada perturbação
obsessiva-compulsiva quando comparadas ou confrontadas clinicamente com a
psicose persecutória, ou seja, com qualquer das perturbações actualmente
classificadas com o uso das terminologias paranóicas, sejam semiológica e
nosologicamente diferentes, é um facto que os sintomas concretos e isolados,
designadamente os sintomas obsessão e delírio, são basicamente iguais e a sua
essência e estrutura interna configuram a mesma realidade mental.
Através
do método da redução eidética chega-se à conclusão que a diferença
fenomenológica fundamental entre obsessão e delírio se encontra apenas na
vertência da respectiva crença ou convicção delirante. A obsessão verte a
crença delirante obsessiva para o interior; a pessoa obsessiva acredita ou está
convencida que pode sofrer um dano ou prejuízo no futuro por causa do seu
interior, de si própria ou do seu próprio comportamento; afirmam as teorias psicodinâmicas
que a pessoa obsessiva tem um superego muito severo, muito hipercrítico ou
muito castrador da libido e da sexualidade. O delírio, sobretudo o medo
persecutório, verte a sua crença ou convicção delirante para o exterior; a
pessoa delirante acredita ou está convencida que pode sofrer um dano ou
prejuízo no futuro, por causa do exterior; as interpretações psicodinâmicas do delírio
persecutório referem frequentemente o envolvimento do mecanismo defensivo da
projecção como modo de combater, em última instância, ideias ou tendências
homossexuais latentes. Pela projecção a pessoa coloca no exterior ideias,
sentimentos, emoções ou tendências que não quer reconhecer em si própria; sendo
esta a defesa do ego encontrada no delírio de perseguição; já a pessoa
obsessiva, segundo as teorias psicodinâmicas, utilizaria outros mecanismos de
defesa. É no entanto, agora, que a observação e pensamento reflectido demonstram
que tanto no delírio como na obsessão o mecanismo defensivo, que a pessoa utiliza,
é a projecção; simplesmente no delírio persecutório a projecção faz-se para o exterior,
para fora de si própria, e na obsessão a projecção faz-se para o interior, para
dentro de si própria.
A
projecção enquanto mecanismo de defesa do ego assume, assim, duas vertentes: a
projecção paranóica e a projecção obsessiva.
Quando
na projecção obsessiva se afirma que a pessoa projecta para o seu interior
está-se a afirmar que o conteúdo dessa projecção é exactamente o núcleo central
de toda a doença obsessiva e compulsiva, isto é, trata-se exactamente daquele
conteúdo delirante central do pensamento obsessivo cuja crença ou convicção
delirante lhe provoca a ideia de que toda a sua conduta comportamental interna
e externa serve precisamente para anular o medo ou ansiedade que esse conteúdo
delirante lhe provoca; mas está-se a afirmar também que a pessoa obsessiva usa
a projecção sobre o self, sobre si
mesma; não se trata de projectar sobre a sua identidade já que a própria
identificação, por semelhança com outros mecanismos defensivos como a
introjecção e a incorporação, são defesas por interiorização do exterior; a
projecção obsessiva é um mecanismo defensivo complexo em que uma parte do
aparelho psíquico coloca crenças e convicções, sentidas como inaceitáveis,
noutra parte do aparelho psíquico dessa mesma pessoa. Poder-se-ia pois afirmar
que o paranóico sente-se perseguido e acusa os outros de o perseguirem, o
obsessivo sente-se perseguido e acusa-se, a si próprio, de se auto perseguir;
mas nenhum dos dois consegue largar essa ideia ou conteúdo persecutório. A
crença e convicção delirante que o psicótico paranóico coloca no seu exterior,
no exterior da sua pessoa, são em termos formais, exactamente iguais mas de
sentido contrário, à crença e convicção delirante que o obsessivo coloca no seu
interior, no interior da sua própria pessoa.
As
ideias de auto referência que o psicótico paranóico coloca no exterior são
exactamente iguais, mas de sentido contrário, às ideias de auto referência que
o obsessivo coloca no seu interior. As crenças e interpretações supersticiosas
delirantes que o obsessivo usa são iguais às crenças e interpretações
supersticiosas delirantes do paranóico. Os sintomas de desânimo e depressão que
o obsessivo por vezes encontra, por causa de sua incapacidade face à doença
obsessiva, são exactamente iguais aos encontrados na doença paranóica.
Pensa-se
que a interpretação delirante surge como resultado de uma crença ou convicção
delirante que existe previamente, portanto, a interpretação delirante é uma
forma de racionalização, ou seja, a pessoa arranja razão para ter razão já que
primeiro tem uma convicção delirante, que lhe promove uma atitude em
conformidade, só depois faz a interpretação delirante; por outro lado a
interpretação delirante e os respectivos comportamentos resultantes fortificam
e mantêm a convicção delirante num ciclo vicioso difícil de quebrar ou
interromper.
A
neurobioquímica também revela o envolvimento comum dos mesmos
neurotransmissores e respectivos receptores, pela sua presença tanto na
obsessão como no delírio; há até psicofármacos aplicados em ambas as situações
e antipsicóticos com resultados promissores em obsessões com fraco ou nenhum insight.
Pode-se
pois concluir que nas situações concretas de pessoas com sintomas patológicos
de obsessão ou delírio há dois aspectos a corrigir; o delírio como erro do
juízo e a crença ou convicção delirante; em ambos os casos a correcção tem de
ser efectuada e a atitude e comportamentos resultantes têm de alterados,
modificados e corrigidos. A metodologia para alterar as crenças e convicções
tem sido estudada e desenvolvida pelas designadas ciências do comportamento.
Sabe-se
que as crenças se formam através da repetição de ideias feita por pessoas
significativas; também a veiculação interna, ou externa, das ideias pode ser
associada a imagens de sexo ou quaisquer outras fontes de emoções positivas que
funcionam como um reforço para manutenção das respectivas crenças assim, em
termos de engenharia comportamental com resultados positivos provados, seria de
alterar as crenças e convicções partindo de uma mudança comportamental com base
na identificação e modelagem do comportamento por aprendizagem vicariante, mas
também se sabe que o humor e a ironia ajudam a enfrentar a situação problema ou
o medo delirante, por outro lado o elogio surge como recompensa com reforço da
respectiva resposta; técnicas como a prevenção da resposta não só fortificam a
confiança como aliviam a ansiedade, a técnica designada paragem do pensamento
também, quando dominada pela pessoa sofredora, consegue aliviar a ansiedade e
ajudar a estabelecer um rapport muito
forte que auxilie no hipnotismo com indução de sugestões ao acordar e durante o
sono; o uso da dissonância cognitiva para a modificação da crença ou convicção
delirante tem de ser cauteloso e bem planeado pois em face da dissonância a
crença delirante pode aumentar ou diminuir, isto porque em face da dissonância
cognitiva a pessoa sente-se mal ou desconfortável e por isso vai tentar
diminuir a dissonância obtendo nova informação que lhe pode aumentar ou diminuir
a crença, situação que, quando bem sucedida, poderá levar a pessoa a substituir
a convicção delirante por uma nova crença mais saudável; outras técnicas da
engenharia comportamental são o role playing e atribuição de papeis sociais
para alterar as crenças e atitudes pois sabe-se que conforme o papel que a
pessoa desempenha assim são as crenças e atitudes que a pessoa adopta e no role
playing o jogador finge ser outra pessoa, assumindo o desempenho de outro papel,
o que lhe dá plasticidade comportamental e liberdade para escolher os
comportamentos, as crenças e convicções que deseja utilizar na gestão diária da
sua vida pessoal.
Doutor Patrício Leite, 28 de Abril de 2018